quinta-feira, 23 de julho de 2009

Foi melhor assim. Agora consigo dormir em paz. Pela primeira vez, desde os dez anos.

Lembro-me perfeitamente da primeira vez em que a vi, no início dos anos 70. Ela tinha onze anos e tinha mais corpo do que as outras meninas. Passava todos os dias em frente à minha casa, a caminho da escola. Tornou-se brincadeira de menino: eu sabia seus horários e ficava na janela esperando o momento de vê-la passar. Naquela época, era só atração.

Em poucos meses, já a via sempre duas vezes por semana no curso. Fiz aulas extras para avançar período e ficar na turma dela. Nunca conversávamos, mas às vezes, nossos olhares se cruzavam e iluminavam meu dia. Eu tinha doze anos e ela quatorze. Pensava tanto nela que quase precisei voltar para o período anterior. A atração já era paixão.

Escrevi meu primeiro poema de amor naquele ano. Ficou melhor do que qualquer outro que já li. Mas não tive coragem de enviar. Naquele dia, ela passou por mim e nem me cumprimentou. Mas por ser convencida. Ela realmente não sabia quem eu era.

Passaram-se dois anos. Fiz minha mãe me transferir para o colégio dela. Para o clube, para a academia e para a igreja também. Sempre que ela chegava perto de mim, eu gelava. Mas a observava aonde quer que ela fosse. A paixão já era mania.

Eu a seguia a todos os lugares. Acabei descobrindo que ela fazia aulas de teatro e que seu sonho era ser atriz. Também descobri que ela tinha um namorado. Mas a isso eu não suportava assistir.

Ao mesmo tempo, descobri minha paixão por fotografias. Ia sempre à janela do quarto dela e tirava fotos. Em casa, em todas as madrugadas, eu a desenhava. Às vezes, ficava horas só olhando para ela. O cabelo loiro, os olhos azuis... o corpo perfeito. A mania já era amor.

No ano seguinte, aos meus quinze anos, eu já não saía com os colegas. Não conversava, não jogava xadrez e não desenhava nada que não fosse ela. Também não namorava outras garotas. Eu vivia em função dela. O amor já era obsessão.

Um pouco antes do aniversário de dezessete anos, descobri que o pai dela era alcoólatra e batia nela e em sua mãe. Foi o pior dia da minha vida. Senti muito ódio e quis matar o desgraçado. Cheguei a arranjar uma arma, mas seus pais logo se divorciaram.

Também tive um dos melhores momentos da minha vida nesse ano. Ela me pediu uma caneta emprestada e me chamou pelo nome. Ela sabia meu nome! Ela sabia quem eu era! Eu não conseguia acreditar.

O tempo foi passando e começou a ser incômodo para mim esse meu sentimento por ela. Eu precisava seguir em frente e viver minha vida. Cheguei a sair com algumas garotas. Todas parecidas com ela de alguma forma; um trejeito, um sorriso de lado, um cabelo repartido ao meio. Mas eu as usava e jogava fora quando elas faziam algo diferente e eu ficava decepcionado. Não era ela. Entrei em depressão. Anos e anos e ela não saía da minha cabeça. Aquilo me consumia. Mal conseguia dormir e, nas poucas vezes que conseguia, era com ela que eu sonhava. Abrir os olhos de manhã era pensar nela. As manhãs eram adaptação. As tardes, solidão. As noites, ansiedade. As madrugadas, insônia. Essa era minha rotina diária.

Enquanto eu me formava na faculdade de letras, ela realizava seu sonho, estrelando como protagonista de uma novela de televisão. Eu assistia todo dia. Faltava ao trabalho para vê-la e gravava todas as cenas em que ela aparecia. Eu era, com certeza, seu maior fã.

Ela tinha um namorado na novela, um ator conhecido. Doeu quando vi uma foto dos dois juntos numa revista. Lá dizia que eles não estavam juntos só na novela. Agüentei firme por meses. Então, ela ficou grávida.

Foi aí que decidi fazer uma declaração de amor. Entrei na casa dela escondido. Ela estava no quarto decorando as falas. Parei em frente à porta aberta. Tão linda... Fiquei só olhando.

Ela me viu e se assustou. Acalmei-a e disse:

- Lembra de mim?
- Vinicius? – Ela perguntou, surpresa.

Sorri de satisfação. Ela lembrava de mim. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, peguei o papel dobrado no meu bolso e disse a ela:

"Te quero e te desejo desde
a primeira vez que te vi
Era fascinação, virou paixão,
E, agora, obsessão.
Não consegui dizer nada antes,
mas não por minha timidez
É porque não existem palavras
lindas ao ponto de expressar
tudo que sinto por você.
Então, esse é o fim.
Em que te digo o que qualquer pessoa
que sentisse um terço do que eu sinto diria:
Eu te amo."

Ela sorria, lisonjeada, e me olhava com ternura. Cheguei mais perto dela e passei a mão em seu cabelo. Ela ainda sorria sem dizer nada; ela era a perfeição. Ela me beijou suave no rosto, com facilidade, e, nesse momento, tive certeza do que fazer para viver de verdade.

Peguei a arma que havia comprado há anos e fiz a melhor coisa que já fiz em toda a minha vida. Naquela noite, matei Letícia.

*Texto devidamente pegado emprestado do blog da minha monitora-chefe, Laura.
Muito bom, arrepiei.
beijos.

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